domingo, 4 de maio de 2014

Obras de arte são repatriadas

ARTES- 
Países travam verdadeiras batalhas para recuperar peças artísticas que foram parar em museus dos EUA e da Europa

As ruínas da antiga cidade grega de Morgantina se erguem em uma colina do leste da Sicília; há cerejeiras, flores silvestres e tranquilidade e silêncio absolutos, exceto pelo canto dos pássaros. A área há muito foi consagrada a Perséfone; diz a lenda que Hades a puxou para o submundo em um lago próximo.

E foi aqui, bem na periferia da moderna cidade de Aidone que, no fim dos anos 70/início dos anos 80, acredita-se ter sido encontrada uma estátua espetacular da deusa, que a retratava envolta em uma túnica diáfana, com mais de 2 m de altura – a princípio confundida com Afrodite. Feita por volta de 425 a.C., a escultura se tornou uma das peças mais contestadas do mundo.

Sua jornada – da Sicília ao Museu J. Paul Getty, na Califórnia, para finalmente retornar à Sicília – é um retrato contundente do mundo das restituições de obras de arte.

Há alguns anos, vários museus nos EUA e Europa começaram a devolver objetos a seus países de origem, cada caso com uma história própria. Embora muita atenção se dê ao ato da repatriação em si, o “New York Times” decidiu investigar o que aconteceu a diversos objetos depois da volta. Alguns trabalhos, devolvidos com grande alarde, adquiriram um significado maior nos países e/ou culturas que o produziram; já outros, depois de passada a novidade, caíram no esquecimento ou nem sempre se encontram acessíveis.

A maioria dos museus ocidentais agora reconhece o forte senso ético da devolução dos objetos, principalmente nos casos em que esses deixaram seus países de origem sob circunstâncias duvidosas, como no caso da deusa de Morgantina. O Getty, que comprou a estátua em 1988 por US$18 milhões, devolveu-a à Itália em 2011, depois que a promotoria italiana descobriu que tinha sido saqueada, exportada ilegalmente e vendida por comerciantes que muito provavelmente falsificaram sua origem.

Para alguns, a repatriação, particularmente de antiguidades ocidentais, se refere à persistência de um determinado país em um mundo globalizado. “É a teimosia dos objetos”, explica James B. Cuno, presidente e CEO do Fundo J. Paul Getty Trust e autor do livro “Who Owns Antiquity?”.

“Com música isso não acontece; com filmes também não, tampouco com a literatura, mas quando se trata de objetos físicos, eles são evidência de um passado de orgulho definido pelo governo da nação”, diz ele.

Outros questionam se certos museus têm infraestrutura para salvaguardar os tesouros devolvidos – ou mantê-los acessíveis, mesmo longe do movimento das principais cidades e capitais. Os críticos, por sua vez, alegam que tais questões indicam uma atitude quase neocolonial.

A deusa de Morgantina hoje é exibida no Museu Arqueológico de Aidone. A ideia era espalhar os tesouros italianos pelo país para permitir que o público visse os trabalhos no contexto em que foram descobertos. A estátua, devolvida ao som de banda marcial, hoje se ergue orgulhosa sobre uma estrutura metálica.

Dezenas de miniaturas de Kore, ou Perséfone, encontradas ali perto, algumas com a tinta rosa ainda intacta, também estão à mostra, ao lado de outros objetos das eras fenícia, grega e romana da ilha, mas essas preciosidades aguardam aqueles que conseguem fazer a viagem para chegar até lá, nem sempre fácil.

A cerca de 1,5 hora de carro a oeste de Catânia, Aidone fica na província de Enna, a mais pobre da Sicília, e a menos de 25 km de Piazza Armerina, cujos mosaicos romanos, parte de um sítio histórico considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, estão entre os locais mais visitados da ilha. O problema é que devido à corrupção política, falta transporte público confiável e as estradas muitas vezes estão interditadas.

No ano passado, 30.767 pessoas visitaram o museu de Aidone e 26 mil foram a Morgantina, em comparação com as 400 mil que passaram pela Getty Villa em 2010, ano em que exibiu a estátua.

Os cortes no orçamento público reduziram os recursos para manutenção, segurança e publicidade, conta Laura Maniscalco, arqueóloga e diretora do museu de Aidone desde o fim de 2013. “Não é da minha alçada criar itinerários turísticos, mas posso reclamar das estradas interditadas. Por que não consertam? É um problema político sério”.

 

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